PIRUÇAS

Novembro 11 2009

Fado português

José Régio


O Fado nasceu um dia,

quando o vento mal bulia

e o céu o mar prolongava,

na amurada dum veleiro,

no peito dum marinheiro

que, estando triste, cantava,

que, estando triste, cantava.



Ai, que lindeza tamanha,

meu chão , meu monte, meu vale,

de folhas, flores, frutas de oiro,

vê se vês terras de Espanha,

areias de Portugal,

olhar ceguinho de choro.



Na boca dum marinheiro

do frágil barco veleiro,

morrendo a canção magoada,

diz o pungir dos desejos

do lábio a queimar de beijos

que beija o ar, e mais nada,

que beija o ar, e mais nada.



Mãe, adeus. Adeus, Maria.

Guarda bem no teu sentido

que aqui te faço uma jura:

que ou te levo à sacristia,

ou foi Deus que foi servido

dar-me no mar sepultura.



Ora eis que embora outro dia,

quando o vento nem bulia

e o céu o mar prolongava,

à proa de outro velero

velava outro marinheiro

que, estando triste, cantava,

que, estando triste, cantava.

 

 

E digo eu:

 

Com este fado anoitece

o dia, na minha rua

e com lira sonhadora

e sonhos ténues de lua

nasce a rima criadora

das teias que a alma tece.

publicado por poleao às 19:03

TÃO LONGE DO MUNDO E TÃO PERTO DE TUDO
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