PIRUÇAS

Junho 05 2008

O MOSTRENGO

 
O mostrengo que está no fim do mar
Na noite de breu ergueu-se a voar;
A roda da nau voou três vezes,
Voou três vezes a chiar
,


E disse: «Quem é que ousou entrar
Nas minhas cavernas que não desvendo,
Meus tectos negros do fim do mundo?»
E o homem do leme disse, tremendo:


«El-Rei D. João Segundo!»
«De quem são as velas onde me roço?
De quem as quilhas que vejo e ouço?»
Disse o mostrengo, e rodou três vezes,


Três vezes rodou imundo e grosso.
«Quem vem poder o que só eu posso,
Que moro onde nunca ninguém me visse
E escorro os medos do mar sem fundo?»


E o homem do leme tremeu, e disse:
«El-Rei D. João Segundo!»
Três vezes do leme as mãos ergueu,
Três vezes ao leme as reprendeu,


E disse no fim de tremer três vezes:
«Aqui ao leme sou mais do que eu:
Sou um povo que quer o mar que é teu;
E mais que o mostrengo, que me a alma teme


E roda nas trevas do fim do mundo,
Manda a vontade, que me ata ao leme,
De El-Rei D. João Segundo!»

 

Não sei bem porquê (bem lá no fundo, talvez que eu saiba mesmo!), mas este belo poema, de Fernando Pessoa, saltou-me, hoje, da memória. Já o reli, agora, mais do que uma vez e ouço sempre, em cada leitura, o mesmo sinal de alarme -estridente e ensurdecedor.

publicado por poleao às 18:15

TÃO LONGE DO MUNDO E TÃO PERTO DE TUDO
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